sexta-feira, 17 de junho de 2016

Castro Alves - Quem dá aos pobres, empresta a Deus


CASTRO ALVES
Espumas Flutuantes

...Nem cora o livro de ombrear co'o sabre
Nem cora o sabre de chamá-lo irmão...


        QUEM DÁ AOS POBRES, EMPRESTA A DEUS
        
        Eu, que a pobreza de meus pobres cantos
        Dei aos heróis — aos miseráveis grandes —,
        Eu, que sou cego, — mas só peço luzes...
        Que sou pequeno, — mas só fito os Andes...,
        Canto nest'hora, como o bardo antigo 
        Das priscas eras, que bem longe vão, 
        O grande NADA dos heróis, que dormem 
        Do vasto pampa no funéreo chão ...

        Duas grandezas neste instante cruzam-sel
        Duas realezas hoje aqui se abraçam!
        Uma — é um livro laureado em luzes
        Outra — uma espada, onde os lauréis se enlaçam
        Nem cora o livro de ombrear co'o sabre
        Nem cora o sabre de chamá-lo irmão
        Quando em loureiros se biparte o gládio
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        E foram grandes teus heróis, ó pátria,
        — Mulher fecunda, que não cria escravos —,
        Que ao trom da guerra soluçaste aos filhos:
        "Parti — soldados, mas voltai-me — bravosl"
        E qual Moema desgrenhada, altiva,
        Eis tua prole, que se arroja então,
        De um mar de glórias apartando as vagas
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        E esses Leandros do Helesponto novo
        Se resvalaram — foi no chão da história
        Se tropeçaram — foi na eternidade
        Se naufragaram — foi no mar da glória
        E hoje o que resta dos heróis gigantes?
        Aqui — os filhos que vos pedem pão
        Além — a ossada, que branqueia a lua,
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        Ai! quantas vezes a criança loura
        Seu pai procura pequenina e nua,
        E vai, brincando co'o vetusto sabre,
        Sentar-se à espera no portal da rua...
        Mísera mãe, sobre teu peito aquece
        Esta avezinha, que não tem mais pão!...
        Seu pai descansa — fulminado cedro —
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        Mas, já que as águias lá no sul tombaram
        E os filhos d'águias o Poder esquece
        É grande, é nobre, é gigantesco, é santo!...
        Lançai — a esmola, e colhereis — a prece!...
        Oh! dai a esmola... que do infante lindo
        Por entre os dedos da pequena mão,
        Ela transborda... e vai cair nas tumbas
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        Há duas cousas neste mundo santas:
        — O rir do infante, — o descansar do morto...
        O berço — é a barca, que encalhou na vida,
        A cova — é a barca do sidéreo porto...
        E vós dissesses para o berço — Avante! —
        Enquanto os nautas, que ao Eterno vão,
        Os ossos deixam, qual na praia as âncoras,
        Do vasto pampa no funéreo chão.

        É santo o laço, em qu'hoje aqui s'estreitam 
        De heróicos troncos — os rebentos novos —! 
        É que são gêmeos dos heróis os filhos,
        Inda que filhos de diversos povos!  
        Sim! me parece que nest'hora augusta 
        Os mortos saltam da feral mansão... 
        E um "bravo!" altivo de além-mar partindo 
        Rola do pampa no funéreo chão! ...

        S. Salvador, 31 de Outubro de 1867.
 
#obomcombate 

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